Em boa verdade, as legítimas expectativas do cidadão nos tribunais estão, hoje, ao mesmo nível das que se depositam nos jogos de fortuna e de azar.
Se um cidadão, porque quer cumprir a lei, perguntar a um advogado se pode ou não fazer determinada coisa, o advogado, se for honesto, o máximo que poderá dizer é o seguinte: «em princípio, pode ou não pode.» E porquê, “em princípio”? Porque hoje não há certezas de nada. Por um lado, ninguém sabe se um conselho dado hoje, para a semana tem aplicação; por outro lado, também ninguém sabe se aquilo que está a ler é lido da mesma maneira pelo juiz que vai julgar a questão. Os mesmos factos, com a mesma lei, podem dar origem a duas sentenças opostas.
Aqui há uns tempos instaurei, no mesmo dia e no mesmo tribunal, duas acções em tudo idênticas: o mesmo autor, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. Só variavam os réus: um era o vizinho do lado direito e o outro o vizinho do lado esquerdo. A uma acção foi atribuído o número par e à outra o número ímpar, o que fez com que fossem distribuídas a funcionários diferentes. Por esse motivo, enquanto a “ímpar” foi julgada no prazo de 6 meses, a “par” demorou mais de um ano a ser julgada. Acontece que, apesar de ter sido o mesmo juiz a presidir ao julgamento e a responder aos quesitos, a sentença do processo “par” acabou por ser proferida pelo juiz que o veio substituir. Refira-se ainda que os factos dados como provados nos dois julgamentos foram absolutamente idênticos. No entanto, enquanto a sentença do processo “ímpar” deu razão ao autor, a do processo “par” deu razão aos réus.
Ainda hoje, o meu cliente não percebe por que razão ganhou uma acção e perdeu a outra. E eu também não. Em boa verdade, as legítimas expectativas do cidadão nos tribunais estão, hoje, ao mesmo nível das que se depositam nos jogos de fortuna e de azar.