No entanto, este mundo cruel das alcunhas da minha infância tornou-me mais rijo, ajudou-me a aceitar e a superar as minhas imperfeições físicas e moldou-me o carácter. “A vida só é dura para quem é mole”.
Quando era pequeno era muito maior do que os meus companheiros de escola e muito magrinho. Em casa, o meu avô e o meu pai chamavam-me “lingrinhas” ou “trinca-espinhas”. Para a minha avó, era um “pau-de-virar-tripas”. E, na escola primária, os meus companheiros chamavam-me “girafa”, “escadote” ou “palito”.
No entanto, este mundo cruel das alcunhas da minha infância tornou-me mais rijo, ajudou-me a aceitar e a superar as minhas imperfeições físicas e moldou-me o carácter. “A vida só é dura para quem é mole”.
Acontece que a minha geração cometeu um erro civilizacional que se está a revelar trágico. Pariu, educou e criou uma geração que, neste momento, governa o mundo, legisla e nos controla o dia a dia, farejando e vasculhando os nossos pensamentos mais íntimos, os nossos gestos e todas as palavras que dizemos ou escrevemos com intuitos persecutórios. Um simples olhar ou uma pequena palavra, que não se enquadre no espartilho dogmático da sua bíblia pseudo-científica, é o suficiente para sermos exibidos em público como hereges e lançados na fogueira.
Na sua imensa ignorância, esta geração comporta-se como os pais de “A Bela Adormecida” que, para evitar que a sua filha se picasse aos dezasseis anos, mandaram queimar todos os espinhos do reino. Se tivesse lido a história, teria aprendido que a estratégia dos pais de “A Bela Adormecida” de colocar a sua filha numa redoma de vidro totalmente asséptica foi errada. Quem cresce num mundo sem espinhos acaba sempre por se picar. É dos livros. Dos livros do meu tempo.